O João tem agora 5 anos e tem diabetes tipo 1 desde os 21 meses. Neste espaço partilho tanto as minhas alegrias e as minhas conquistas, como os meus receios e tristezas em relação à diabetes do meu filho, na esperança de que a minha história ajude outros pais de crianças com diabetes.















segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Está na hora da caminha...

Hoje o João deixou-se dormir (caiu de sono, para ser mais precisa) eram 21h30. Para qualquer pai isso é uma maravilha: é bom para a criança, que dorme mais um pouco, e até é bom para os pais que têm um serão mais descansado, para variar. Para mim foi logo motivo de stress. Primeiro porque ele não comeu antes de adormecer,  e segundo porque precisa de comer mais tarde para que a glicémia aguente até de manhã com valores positivos.

Passados 20 minutos acordou, muito estremunhado, todo branco, meio choroso. Novo stress. Dou  um grito ao meu marido para me trazer os instrumentos para medir a glicémia. 110. Uf!

Decido dar-lhe uma fatia de pão e uma chavena de leite. Não quis o leite. São 22h00 quando acaba de comer. Comeu talvez uns quarenta minutos antes da hora normal. Esta noite tenho de fazer uma medição e provavelmente dar-lhe um biscoitinho para que não acorde com hipo.

Chega a altura de lhe dar a insulina lenta: a caneta está no final, a insulina não chega às 6 unidades de que preciso. Novo stress. Vou buscar nova caneta ao frigorífico. Mas está fria. A insulina fria dói. Ponho-a debaixo do braço, tipo termómetro, e espero que aqueça antes de o João adormecer a sério (quando está já num sono profundo reage à picadela e mexe-se, nem sempre a coisa corre muito bem...). Cinco minutos depois lá parece estar à temperatura ambiente.

Missão cumprida.

João dorme.

Está são e salvo na sua caminha.

Este costuma ser um momento em que sinto alguma paz. Sei que ele está bem. Estico-me no meu sofá e agradeço por termos tido mais um dia sem complicações.

Mas hoje o meu coração ainda está aos pulos. Não se passou nada de mais. Apenas mais uma rotina da nossa vida com a diabetes...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Pequenos pormenores…que fazem toda a diferença


Os factores que influenciam os níveis de glicemia no sangue são bem conhecidos: quantidade de hidratos de carbono ingerida, intensidade e duração do exercício físico que se lhe segue, estado emocional…

Mas há pequenos pormenores que podem explicar porque motivo, comendo em dois dias diferentes as mesmas quantidades (e qualidades) de hidratos de carbono, fazendo o mesmo exercício físico e estando num estado emocional semelhante, os níveis de glicemia sejam muito diferentes.

Cozedura

Um prato de massa cozida al dente, ou seja ligeiramente dura quando se trinca, contribui para melhores valores de glicemia do que a mesma quantidade de massa, quando esta é muito cozida.

A massa muito cozida leva a uma absorção muito rápida dos açúcares, faz um pico de glicemia e a seguir os valores baixam rapidamente. Em contrapartida, a massa menos cozida faz com que a absorção dos açucares da massa seja mais lenta e equilibrada e, portanto, que os valores da glicemia na próxima medição sejam melhores.

Percebi isso porque o João tinha valores óptimos quando comia massa em casa e quando comia massa no infantário tinha sempre uma hipoglicémia na refeição a seguir. Agora já sei que a massa, no infantário, é muito cozida e, por isso, tenho de lhe dar meia unidade de insulina a menos do que daria em casa…

Água
Beber água (ou líquidos sem açucares, como chá) durante a refeição acelera a absorção dos açúcares – estes são mais rapidamente transportados para a corrente sanguínea.

Costumo incentivar mais o João a beber durante a refeição quando sei que os seus valores estão um pouco baixos.

Beber água no intervalo das refeições faz baixar o nível de glicemia, pois a água expulsa o açúcar, através da urina.

Por vezes, o João pede para comer um pouco mais depois de já lhe ter dado a insulina (e de não ter previsto aquela vontade súbita e inexplicável de comer pão a seguir ao jantar). Sei que a insulina que previ não cobre mais aquele bocadinho de pão, por isso tento incentivá-lo a beber mais água entre as duas refeições. Digo que tento pois não resulta muito bem: como qualquer criança de 4 anos, o João só quer beber água quando tem sede… Mas quando for mais velhinho, espero que esta técnica se revele útil!

Gordura
Uma fatia de pão com queijo leva a um melhor nível de glicemia do que uma fatia de pão simples. O mesmo acontece com as outras principais fontes de hidratos de carbono: um prato de massa com um molho com gordura leva a uma absorção do açúcar mais lenta e a níveis de glicemia mais estáveis, do que o mesmo prato de massa sem gordura.

Claro que temos de ter cuidado com a ingestão de gorduras, mas se estivermos a falar de um fio de azeite (não fervido), adicionado ao molho da massa depois de este ter saído do lume, não há quaisquer inconvenientes.

O João pede algumas vezes para comer o pão (ao pequeno-almoço, lanche ou ceia) sem nada. Diz que quer pão com pão. Deixo-o comer assim, mas quando termina proponho-lhe sempre que coma uma fatia de queijo ou um pouquinho de fiambre sem mais nada, para assegurar um pouco de gordura. Ele costuma ficar todo contente com a goluseima e eu fico mais descansada.

Fibras
Está muito na moda falar em fibras e nos seus benefícios para a saúde. Também no caso dos níveis de glicemia são muito úteis, pois levam a uma absorção mais lenta e equilibrada dos açúcares dos alimentos.

Uma das alterações que fizemos cá em casa, depois do diagnóstico do João, foi comprarmos uma máquina e pão e agora só comemos pão escuro (feito com farinha integral). Isto porque passámos vários meses a verificar as etiquetas dos pães de compra – integrais ou de mistura – e chegámos à conclusão de que quase todos eles contêm açúcar nos seus ingredientes…

Sólido ou triturado
Um alimento fonte de hidratos de carbono triturado ou moído (a batata ou a bolacha esmigalhadas, a fruta em sumo) levam a uma absorção mais rápida dos açúcares e a um pico de glicemia que pode ser seguido por uma hipoglicémia. É sempre melhor comer os alimentos em estado sólido, pois contribui para níveis de glicemia mais estáveis.

Aqui nos Açores temos umas bolachas de chocolate (as Mulatas) que têm o valor glicémico das bolachas Maria e que a nutricionista autorizou o João a comer regularmente. Como ele via os outros meninos a beber leite com chocolate e pedia também, tive a brilhante ideia de triturar uma dessas bolachas e juntar ao leite. Fica delicioso, mas afecta muito os níveis de glicemia dele, o que me intrigou durante muito tempo… até ter descoberto esta explicação!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sentimento de pertença

Um dos sentimentos mais difíceis de superar nos primeiros tempos após o diagnóstico da diabetes tipo 1 é o de isolamento, de solidão. Por muito que estejamos rodeados de familiares e amigos que nos querem apoiar e por muito que queiramos explicar-lhes quais são as rotinas, quais são os problemas, é difícil para quem está de fora perceber aquilo por que estamos a passar.

Pessoalmente, posso dizer que tenho uma irmã que adora o sobrinho, mas que ignora por completo a questão da diabetes. Nem pergunta. Tenho vários amigos que tentam relativizar a situação, dizendo que há doenças piores, que até temos muita sorte. E tenho dois ou três amigos mais chegados que compreendem melhor, que acompanham e que percebem que não têm de arranjar soluções ou meios de comparação, mas apenas ouvir e apoiar. Cada qual reage como pode.

Apesar de ser essencial estarmos rodeados de quem nos ama, como em qualquer situação da nossa vida, nada disto diminui o sentimento de que falo hoje.

Durante os dois anos em que vivi intensamente a diabetes do João, sempre senti curiosidade em saber se haveria outros pais a passarem pelo mesmo que eu e até – sei que deve parecer uma parvoíce, diria até uma parolice – como seriam as crianças com diabetes: teriam um ar saudável, alegre, ou seriam menos activas e mais tristes do que as outras? Já sei, já sei, o livros dizem que podem, devem e são meninos iguais aos outros, mas eu queria saber de meninos de carne e osso e não de afirmações de médicos.

Durante estes mesmos dois anos não tive a coragem de contactar ninguém, nem sequer uma das várias associações que existem. No primeiro ano porque cada vez que tinha de falar da diabetes do João corriam-me as lágrimas pela cara, por muito que me esforçasse por me controlar. No segundo… não sei bem… talvez por receio de me expor…

A verdade é que só no final do ano de 2010 é que me senti preparada para contactar com outros pais de crianças diabéticas. Foi por isso que criei este blogue.

Acredito que não há coincidências na vida: na mesma semana em que criei o blogue, fui convidada para fazer parte de um grupo de pais de crianças diabéticas, no facebook. Aqui entre nós, que ninguém nos ouve, o facebook sempre me pareceu uma boa distracção para quem não tem nada para fazer, para quem tem uma missão e quer espalhar a palavra ou para quem se sente sozinho. Nunca imaginei que pudesse ter uma função tão nobre. Calculo que os instrumentos existem e que tudo depende do uso que lhes damos…

O grupo foi fundado pelo Pedro, pai de uma menina que tinha recebido o diagnóstico há pouco tempo e talvez ainda não tivesse 10 membros quando a ele aderi, em Dezembro de 2010. No dia 11 de Fevereiro de 2011 atingiu os 60 membros!

A regra, que surgiu espontaneamente é: ninguém censura ninguém, todos são bem vindos, todos querem partilhar e ajudar.

Fazer parte deste grupo alterou profundamente a minha vida.

Porque fiz grandes novos amigos (embora – ainda – virtuais) que me têm apoiado em momento difíceis, aconselhado em momentos de hesitação, dado uns raspanetes muito bem disfarçados quando foi preciso e, sobretudo, partilhado muita, muita informação.

Porque consegui, graças a eles, fazer várias mudanças na gestão da diabetes do João: mudei de médica, de picador, de rotinas…

Porque estou muito menos triste por o meu filho ter diabetes e muito mais optimista em relação ao futuro dele: fiquei a saber (não li num livro, li os testemunhos de quem vive essa realidade) que é possível ser-se feliz, mesmo tendo diabetes.

Mas a grande surpresa para mim foi o sentimento de pertença, de comunidade que se gerou em redor deste grupo de pessoas. Deve parecer ridículo ou até exagerado pôr as coisas nestes termos, mas funciona como uma pequena família (com os parentes mais próximos e mais afastados, como acontece com qualquer família de 60 pessoas), mas uma família.

Á minha família facebookiana, o meu muito obrigado!