O João tem agora 5 anos e tem diabetes tipo 1 desde os 21 meses. Neste espaço partilho tanto as minhas alegrias e as minhas conquistas, como os meus receios e tristezas em relação à diabetes do meu filho, na esperança de que a minha história ajude outros pais de crianças com diabetes.















sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Vida de infantário

O João foi pela primeira vez para o infantário com 3 anos.
O primeiro infantário em que foi admitido convocou-me para uma reunião prévia, no final do ano lectivo precedente. Quando disse à educadora – uma jovem recém-licenciada, com um brilhozinho sonhador no olhar – que ele tinha diabetes e eu estava um pouco ansiosa com a situação, tratou-me com condescendência e disse “não se preocupe, nós temos aqui muitos casos de alergias a alimentos. Só tem de nos dizer o que ele não pode comer e pronto!” Saí de lá a chorar convulsivamente. Percebi que ela não fazia a mínima ideia do que era a diabetes tipo1.
Quando o ano lectivo começou, convocou outra reunião, e, na presença dos outros pais, “obrigou-me” a dizer que o João tinha diabetes. Saí de lá de novo lavada em lágrimas. Deve ter pensado que eu era uma tontinha à beira de um ataque de nervos. No primeiro dia de aulas, levei tudo muito bem explicadinho num papel: hiperglicémias, hipoglicémias, consequências possíveis, como agir em caso de emergência… Queria ter a certeza de que a educadora compreendia tudo muito bem. Resultado: assustei-a de tal modo que nem sequer lhe picava o dedo.
Dependia tudo de mim. Eu ia levá-lo ao infantário às 09h00 (sessão de choradeira com a separação); voltava lá às 11h30, media a glicemia e esperava até às 12h30 para administrar a insulina (outra choradeira com a separação) e tinha de estar lá de novo às 15h30 para repetir o procedimento ao lanche, após o que voltávamos a casa, porque não aguentava mais vê-lo a chorar.
Ao fim de um mês desta rotina extenuante, o João foi admitido noutro infantário. A educadora, no primeiro dia, disse-me logo: “mostre-me como se faz e amanhã eu começo a tratar de tudo”. Confesso que fiquei um pouco incrédula, mas foi isso mesmo que aconteceu. Tem funcionado lindamente até agora. Estou muito grata à educadora Bé, que também não sabia nada sobre diabetes mas fez aquilo que tinha de ser feito e hoje já negoceia as quantidades de insulina comigo quando acha que eu lhe estou a querer dar muitas unidades. Já temos a nossa própria rotina: ela liga-me todos os dias, antes da refeição, indicando o valor da glicémia e dizendo aquilo que se prevê que o João coma. Eu indico a quantidade de insulina a administrar e ela trata do resto.
A primeira vez que ele saiu num passeio de grupo, fiquei de novo muito ansiosa. Tinham ido ver uma orquestra actuar. O espectáculo atrasou-se. Quando era 12h30 eu estava plantada à porta do teatro, pronta para agir em caso de emergência. Pouco depois vejo-o sair de lá todo bem disposto e acabei por me afastar para não perturbar o funcionamento do grupo. Quando lhe mediram a glicémia, antes do almoço, os valores estavam altos, calculámos que devido à excitação de ver os músicos a tocarem (adora música). Desde esse dia, a educadora adoptou o hábito de levar sempre umas bolachinhas quando eles saem.
As festas de aniversário no infantário era outra situação de que tinha bastante receio. Mais uma vez sem razão: ele não bebe o refrigerante (foi coisa que nunca provou, nós não usamos em casa), mas come sempre uma fatia de bolo e leva um reforço de insulina. Na grande maioria das vezes a fatia de bolo nem afecta os valores da glicémia, por ser dada após o lanche e porque geralmente o bolo tem alguma gordura.
Aquilo que me parecia ser uma etapa incrivelmente difícil de ultrapassar acabou por ser apenas mais uma fase no crescimento do meu filho e na nossa aprendizagem da gestão da diabetes. Hoje, o João está bem adaptado ao infantário. Aproveita o recreio, faz ginástica, brinca e come como os outros meninos. Tudo graças à sua fantástica educadora!

sábado, 8 de janeiro de 2011

Mãe, porque é que eu tenho diabetes?

O João foi diagnosticado com 21 meses e esteve até aos 3 anos em casa. Uns 7 ou 8 meses depois de ter sido diagnosticado, a seguir a eu lhe ter administrado a insulina, perguntou-me: “Mãe todos os meninos têm de fazer picas como eu?”. Penso que terá sido nesse momento que ele começou a perceber que é diferente dos outros meninos. Respondi que não, com a maior naturalidade possível, e ele aceitou, também com naturalidade.
Quando entrou para o infantário, uma das minhas fontes de ansiedade era pensar que ele iria aperceber-se melhor de que era diferente e que os outros meninos também iriam olhar para ele de modo diferente, o que o poderia deixar triste.
Uns quatro ou cinco meses depois de estar no infantário, enquanto se sentava à mesa para jantar, disse: “Sou diabético” e olhou para mim orgulhoso e sorridente (estava naquela fase em que cada dia aprendia a utilizar uma palavra diferente e usava a mesma palavra várias vezes, em várias frases, olhando sempre para mim, para saber se estava a usá-la bem). Fiquei sem pinga de sangue. Percebi que era mais um passo na sua tomada de consciência da doença, o que era bom, e até era engraçado ele tão pequenino a dizer uma coisa daquelas. Ai, mas fiquei tão triste! Nesse dia, repetiu a frase várias vezes até a dominar e não me lembro de a ter ouvido mais alguma vez na sua boca.
Eu sei que é um detalhe parvo, mas eu tento sempre não dizer “o João é diabético”, mas sim “o João tem diabetes”. Ele não é a diabetes. Ele é o João, que gosta de dinossauros, de chocolate e de inventar rimas. Enfim, eu sei que é um pormenor…
Quanto aos outros meninos, no primeiro ano de infantário, sempre que chegava a altura de dar a insulina ao João, ficavam quase todos de pé em redor dele e perguntavam porque é que ele tinha de levar a pica. A educadora explicava, mas na refeição seguinte estavam lá todos de novo, a fazer a mesma pergunta. Agora já perceberam ou aceitaram. A pergunta agora é outra. O João por vezes comenta: “Mãe, os meus amigos estão sempre a perguntar se as picas doem. Eu já disse que não dói!”
Moral da história: os meus receios não tinham fundamento. O João e os seus amiguinhos, talvez pela idade, encaram tudo com muita naturalidade. Ele integrou-se muito bem e ainda ontem chegou a casa dizendo que tinha tantos amigos na escola.
            Entretanto, no mês passado, quando estava a preparar-se para dormir, perguntou-me: “mãe, porque é que eu tenho diabetes?”. Eu até estava à espera desta pergunta, mas lá para a adolescência! Fiquei sem saber como responder. Coincidência ou não, uns dias depois, o nosso vizinho Tomás, companheiro de brincadeiras de 5 anos, estava cá em casa e, ao ver mais uma vez o João levar a insulina, perguntou: “Dominique, porque é que o João tem de levar a pica na barriga?”. Então aí expliquei tudo bem direitinho (já tinha tido tempo para me preparar): que o corpo produzia uma substância que destruía o açúcar da comida e, como o do João não fazia isso, tinha de levar aquele líquido que estava dentro da caneta. O João ficou muito sério, a beber todas as minhas palavras. Quando me calei, a reacção foi: “Ah! Está bem!” E retomaram as brincadeiras…
            Calculo que no futuro não será assim tão fácil. Com a idade, perdemos a capacidade que as crianças têm de aceitar as diferenças dos outros sem os julgarmos. Mas, como se costuma dizer, o futuro ao futuro pertence!

domingo, 2 de janeiro de 2011

Os dias de festa

Os dias de festa são sinónimo de descontracção e alegria. Mas não para todos. Para os pais de crianças diabéticas são sinónimo de tensão e atenção redobradas.
Por todas as razões: porque os horários das refeições são difíceis de cumprir, porque as refeições se prolongam, porque não há dia de festa que não implique uma ingestão generosa de doces.
Quando festejamos em casa (prefiro sempre que assim seja), tento controlar a situação planeando muito bem a refeição e pedindo aos familiares e amigos que respeitem os horários.
Quando saímos de casa, enquanto todos conversam e se divertem eu estou em alerta vermelho: peço para porem os doces em locais menos visíveis, pergunto a que horas vai ficar pronta a refeição, peço para conferir os ingredientes dos salgadinhos nas embalagens originais… Uma grande chatice!
Esta passagem de ano, embora tenhamos ficado em casa, embora tenha programado tudo cuidadosamente, acabei na internet às 23h30, pesquisando os ingredientes num pacote de mini-tostas, com um aspecto perfeitamente inofensivo, mas que descobri terem dextrose. Toca a retirar as tostas do menu! A seguir fiquei ansiosa com os horários: já era 1 da madrugada, as pessoas não partiam, o João precisava de se deitar, eu ia ter de ficar (os resto d)a noite a vigiar as glicemias…
Resultado: comecei o ano de 2011 a chorar no sofá, depois de todos terem saído, depois do João estar a dormir (após mais uma hipoglicémia), pensando, não nesta situação em especial, nem sequer em mim própria (no meu cansaço, na minha sensação de ter falhado mais uma vez), mas sim pensando que, no futuro, o meu filho iria ter este papel que hoje é o meu, ao assumir o controlo da sua própria diabetes. Pensando que terá dificuldade em descontrair-se, em sentir-se “normal”, integrado numa sociedade que tem hábitos e horários tão incompatíveis com a diabetes.
E eu que tinha feito o voto para 2011 de não me deixar controlar tanto pelos sentimentos e ser mais activa na gestão da diabetes!